O roteiro de uma HQ

Bem, como já anunciei estou trabalhando em alguns roteiros de HQs, por enquanto eles são três, este é um pequeno trecho do primeiro deles. Como alguns vão perceber, ele é baseado no meu conto originalmente em prosa, Reflexo. Minha intenção com este post é mostrar mais ou menos o que tenho feito dentro deste campo. Vale mencionar que isso está sendo postado como rascunho, pois nem minha editora olhou ainda (e eu ainda não revisei). Portanto, estou muito aberto a sugestões. Seguindo o modelo de alguns de meus autores favoritos, escrevi como uma carta endereçada a desenhista…

Reflexo

Olá Vanessa, vamos finalmente começar os trabalhos.

Eu achei bastante legal a idéia de mantermos dois estilos artísticos diferentes para cada um dos planos onde a narrativa se situa. Gosto do confronto fluidez X tracejado que nós três conversávamos a respeito. A priori, me percebi incapaz de imaginar certas informações sendo passadas através de imagens, portanto me vejo um pouco forçado a principalmente nas primeiras páginas do Ba’Hara me forçar ao uso de caixas de texto acompanhando as imagens. Estas caixas além de representar uma narrativa escrita com informações relevantes, se atém exclusivamente ao personagem de Lilith e o que esta pensa ou sofre. Deixo à seu encargo (ou onde a editora sugerir) que espaços serão colocados estas “caixas” ainda que margens superiores e inferiores sejam ideais.

Página 1. Quadro 1.

A cena se abre com um perfil de longe do Ba’Hara. Minha sugestão é que seja um quadro largo ocupando a página inteira na horizontal e cerca de 50% da vertical da mesma. Não é preciso mostrar os espelhos em detalhe, mas vale deixar em mente a amplidão do local, sua terra marrom, suas poças d’água e destruição. Seu clima de solidão amarga. Uma idéia interessante que poderia ser usada é pensar que lá não exista luz natural, e toda iluminação vem dos reflexos (o que tornaria o lugar bastante claro no fim das contas), mas é apenas uma idéia.

Página 1. Quadro 2.

Existe uma aproximação na cena, de longe observamos uma figura humana que caminha pelos Jardins.

Em cima, em um quadrado, se inicia o seguinte texto:

“Havia milhares de espelhos, novos apareciam a todo o momento, e muitos outros se quebravam também. Em seu Jardim, o Ba’Hara, os espelhos eram como janelas para a vida. E ela apreciava observá-los – apreciava – o prazer que extraía das paixões alheias enquanto permanecia anônima atrás do mundo.”

Página 1. Quadro 3.

A mulher agora já está próxima, podemos notar suas feições magras e ferinas, seu corpo marcado por ódio e algumas cicatrizes, sua vestimenta ou sua nudez, ficam a seu critério, mas se houvessem roupas, talvez trapos fossem a melhor opção, pois realçam a condição de solidão e isolamento da mesma.

“Na verdade, era sua maldição também, pois Aquele-que-vive-acima a havia condenado a nunca amar ou ser amada, nunca sentir o toque cálido de uma paixão, a viver para sempre de sua matéria original, Adamah (areia) e se esconder do fogo de Uriel.”

Página 2. Quadro 1.

Uma idéia para este quadro é mostrar Lilith em toda o seu ódio observando de frente um espelho. As linhas de seu rosto podem ser algo bem legal para se brincar, assim como a noção de que esta mulher é mais velha do que montanhas, mesmo mantendo uma aparência eterna de juventude. Abuse desse conceito, nem que sua idade abissal seja transmitida meramente pelo seu olhar…

“A paixão a fascinava, pois os rebentos de Eva nunca desconfiam de quem está atrás de seus reflexos, eles se dobram sobre os espelhos, eles soluçam, choram e brigam, eles mostram sua centelha de vida, eles fazem tudo que ela não pode.”

Página 2. Quadro 2.

Agora vemos o que Lilith observa. É a primeira cena no mundo real, mas vale desenhar uma borda no estilo do Ba`Hara. A idéia aqui é mostrar um homem se cortando com um olhar de tormento mas cumplicidade para o espelho. É como se ele soubesse que alguém o observasse. O sangue mancha sua camisa social branca.

“Ás vezes ela desconfia de que, lá no fundo, todos eles soubessem, todos sem exceção, como se seu patriarca houvesse sussurrado ao ouvido dos filhos para que estes se mostrassem aos espelhos, apenas para provocá-la, como um tolo egocêntrico faria. E, talvez por isso, ela os odeie também, todos eles, pois possuem um pouco do sangue do Primeiro homem.”

Página 2. Quadro 3.

Lilith se percebe alguma coisa interessante em um espelho mais a frente.

Página 2. Quadro 4 e Quadro 5.

Ela caminha vagamente pelo Ba’hara, aqui existe a oportunidade de você trabalhar algumas coisas divertidas. Enquanto esta caminha ao seu destino (imagino que de perfil) ela passa por diversos reflexos, use cada um deles para desenhar uma pequenina cena (escolha coisas que você goste de desenhar, e se aproveite de perspectivas estranhas como poças e facas de metal, a idéia é de que todos os reflexos da terra tem uma janela aqui, portanto dois quadros com noção de movimentos e janelas passando sob elas pode ser muito bom.

Página 2. Quadro 6.

Lilith chega ao local, é um espelho retangular que fica no armário do quarto-e-sala da protagonista. Ainda não conseguimos observar ele, pois o foco é mais uma vez no rosto de lilith que faz expressão de estar intrigada e exibe um talvez muito leve sorriso de malícia.

Página 2. Quadro 7.

Mais uma vez a borda ao estilo do Ba’Hara é mostrada, mas a cena se passa na Terra. Vemos Lila, nua em sua cama fumando um cigarro. Boa parte de seu corpo é coberto por um lençol e há um homem com ela sentado na cama. Cabeça próxima às pernas (que se encontrão no chão) e coluna inclinada. Ele parece exausto e também está nu.

Página 2. Quadro 8.

Há pequenos movimentos na cena, e agora podemos observa-la sem as bordas do Ba’Hara.

Homem: Merda!

Página 2. Quadro 9.

Esta cena se situa como continuidade dos outros dois quadros. Você tem liberdade de explorar outros ângulos e até mesmo closes nos personagens. A idéia é que durante os próximos quadros nos manteremos voltados ao diálogo. Este aqui por exemplo, ficaria legal com um close no rosto de Lila. Ela é jovem, bonita e orgulhosa. E olha para ele com um olhar de desprezo (apenas uma sobrancelha se levanta).

Lila: Está tudo bem, só faça silêncio…

Tenho certeza que muito disso ainda vai mudar… mas é legal poder colocar a coisa crua aqui….

~ por Felipe Velloso em 02/03/2009.

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